Zebrão era viciado no “Jogo do Bicho”, e interpretava os fatos policiais e no dia seguinte jogava.
Era início do mês de junho, fazia um leve friozinho, garoava, a cidade e a cadeia estavam em silêncio; aliás um silêncio gritante, perturbador, provocando nos amigos a desconfiança de que algo inusitado iria acontecer ...
Às 23h30 min., toca o telefone.   
Zonta: - Plantão policial às suas ordens. 
Ouve o relato e retorna: 
- Dona Cremilda, a senhora quer que a polícia vá desengatar um cachorro engatado numa cadela, na rua em frente à sua casa?  Não é serviço nosso, chame o bombeiro.
Dona Cremilda continua insistindo no pedido.
 - Não é mais fácil a senhora fechar a janela? Existe um bando de cachorros olhando os dois? E fazem barulho. Dona Cremilda, se eles estão engatados desde as 22 horas, já vão desengatar. Como já disse, não é serviço nosso; alguma outra novidade ligue.
E daí Zebrão, qual o palpite?  
Zebrão que já estava sentado e manuseava o baralho em cima de um pano verde, improvisado na sala do plantão, sem levantar os olhos do que fazia respondeu: 
- Cachorro, e pra fechar, dona Cremilda olhando os cachorros trepando desde as 22 horas: Cobra!
As 00h10min da madrugada toca o telefone. 
Zonta atende e ouve o relato do outro lado e retorna:  
- Meu senhor não teve nenhum acidente envolvendo veículo Besta nesta noite, tampouco houve vítima do sexo feminino.  
Continua a ouvir o relato do outro lado e completa:  
- Ela saiu com seu motorista, deveria retornar no início da noite e ainda não o fez? 
O senhor está preocupado porque o motorista é mulherengo...         
- Mas aqui ela ainda não apareceu.
Zebrão, ouvindo atentamente interpreta: 
- Besta é da família dos muares, burro, e pelo relato dos fatos, “bichos de chifres”, cai bem aí; e parece que o marido não quer enxergar o que está acontecendo enfiando a cabeça no chão, igual avestruz.  Com essa qualificação o motorista nos faz lembrar o coelho.
Retornam ao jogo quando novamente toca o telefone. 
Zonta atende, ouve e retorna: 
- Estrada da Roseira não é nosso, pertence ao município de Jundiaí ou Jarinu, e não temos queixa de furto de veiculo Besta por aqui, exceto um marido procurando pela mulher. 
Zonta passa a reclamar da vida de policial, do local onde trabalha, dos baixos salários, da falta de opção para melhorar a vida. 
     
     Zebrão responde as lamurias do amigo. 
- Burro e pela sujeira desse local, porco.
Novamente o telefone. Zonta ouve e responde: 
- Dona Cremilda feche a janela. Eles já desengataram e ficam fazendo barulho aí?  Jogue água neles. 
Ouve com paciência os argumentos de dona Cremilda e retorna: 
- A senhora não precisa sair na rua para jogar água neles, use uma mangueira.   Boa noite.
Zebrão: - Dona Cremilda, mangueira - É cobra.
Antes de chegar na mesa de baralho, novamente o telefone toca. Zonta atende, ouve e retorna: 
- Encontrou o pessoal aí? Oooooquuueeee, eles estavam fazendo armadilha pra tatu... a essa hora da madrugada ?!  Conta outra. Aqui não tem nada contra eles, exceto o marido dela, que, a esta procurando e está desconfiado...
O telefone toca novamente.  Zonta, antes de atender já fala uns palavrões e ameaça: 
- Se for dona Cremilda novamente, eu vou mandar ela tomar suco de caju. Ouve e retorna, era o “marido”.  
 - A sua esposa foi encontrada e já está retornando. 
Ouve e conclui: - Ela estava caçando. O senhor pensa que eu estou brincando? Pergunte a ela mesma. 
 E em seguida tira o telefone do gancho para poderem jogar em paz.
 	- Bichos de chifres e burro predominam para amanhã.   (Zebrão).
Jogaram tranqüilamente durante uns vinte minutos, quando o carcereiro Antonio entrou correndo apavorado no plantão, como se tivesse visto “mula-sem-cabeça”, falando com dificuldade: 
- Fugiram 17 presos; deram uma estocada no vigia e saíram por cima, utilizaram-se de uma “Teresa”.
Enquanto Zonta acionava a PM., sobre a fuga,  Zebrão resmungava.
 - Notícia ruim é amigo urso.  17 presos fugiram, 17 é cachorro. Fugir pode ser voou pra liberdade, é borboleta.   Subiu pela “Teresa” é macaco.  Estocada é carneiro. Olha o bicho de chifre aí novamente !
Como o plantão ficou tumultuado, contrastando com seu início tranqüilo, Zebrão resolveu ir embora despedindo-se do amigo Zonta, que perguntando-o qual o palpite pro dia seguinte.
 	Antes do Zebrão responder,  chegam alguns PMs.   trazendo vários “travecos”, que brigaram numa boite gay.
Zebrão como que profetizando, conclui: 
- Está meio complicado interpretar os fatos hoje e os últimos acontecimentos embaralharam ainda mais a minha cabeça.  Bichos alegres, borboleta.   
 
José Wagner Sampaio é Advogado
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