Ele contou uma dúzia dos pássaros altos e graciosos e sacou o smartphone, não para dar um telefonema, mas para digitar o número de pássaros e espécies num aplicativo que enviava a informação a pesquisadores em Nova York.
Aposentado como biólogo do governo norte-americano e ávido observador de pássaros, Martinka integra a rede ornitológica global eBird. Diversas vezes por semana ele vai às montanhas para examinar lagos, pastagens, até mesmo o lixão local, e depois relata os avistamentos ao Laboratório Cornell de Ornitologia, organização sem fins lucrativos com sede na Universidade Cornell.
Dezenas de milhares de observadores são o que o laboratório chama de “sensores biológicos”, transformando suas observações em dados digitais ao relatar onde, quando e quantos de cada espécie foram vistos. A visão de uma dúzia de garças é uma informação minúscula, mas esses dados, reunidos aos milhões, dão aos cientistas um cenário bem grande, talvez o primeiro projeto em tempo real de populações de pássaros ao redor do mundo.
Os pássaros são difíceis de contar. Embora sensores estáticos possam mensurar coisas como níveis de dióxido de carbono e o tráfego, é preciso ter pessoas para anotar o tipo e o número de pássaros em uma área. Até o surgimento do eBird, que começou coletando diariamente dados globais em 2002, as ditas contagens de um dia de duração eram o único método.
O avistamento diário do movimento de pássaros do eBird produziu um aumento enorme nos dados – e uma revelação para os cientistas. O produto mais informativo é o que os estudiosos chamam de mapa de calor: uma imagem impressionante de visões de pássaros representados em vários tons de laranja de acordo com a densidade, movimento no tempo e espaço contra mapas pretos. Agora, mais de 300 espécies têm um mapa de calor próprio.
“Assim que os mapas de calor começaram a aparecer, todos reconheceram o fato como uma virada de mesa na forma pela qual olhamos as populações animais e seu movimento”, disse John W. Fitzpatrick, diretor do Laboratório da Cornell.
O eBird compilou 141 milhões de relatos e o número cresce 40% ao ano. Em maio passado, o aplicativo acumulou um registro de 5,6 milhões de novas observações em 169 países.
Críticas do aplicativo – Mas o sistema também tem seus problemas. Os cientistas amadores podem não ser muito precisos ao relatar dados da mesma forma que pesquisadores tarimbados, como os da Pesquisa de Reprodução de Pássaros.
A Universidade de Cornell tentou equacionar esse problema contratando os principais observadores para viajar pelo mundo treinando gente como Martinka com sua metodologia. E 500 peritos voluntários leem os relatos para checar a exatidão, rejeitando cerca de 2% deles. Avistamentos de pássaros raros são examinados com todo rigor.
Mesmo assim, alguns especialistas questionam a validade do eBird. John Sauer, biólogo da fauna selvagem do Instituto de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos, afirma que os relatos dos observadores não têm rigor científico. Em vez de aleatoriedade, “você tem muitas observações de lugares de onde as pessoas gostam de ir”. Ele também duvida que a Cornell tenha comprovado a confiabilidade dos esforços de seu aprendizado automático.
Contudo, Sauer também considera a informação promissora, “desempenhando um papel importante na coordenação dos observadores para registrar os avistamentos e incentivar a observação de pássaros”. E os dados estão sendo utilizados por uma ampla gama de pesquisadores e conservacionistas.
Dados sobre populações de pássaros podem ajudar os cientistas a compreender outras mudanças no mundo natural e ser um indicador da saúde da biodiversidade como um todo. Por exemplo, o declínio da cotovia em parte de Nova York sugere que seu habitat está encolhendo. Na Califórnia, os dados são usados por urbanistas para decidir onde seria melhor as cidades se desenvolverem.
As informações também são combinadas com dados de radar e climáticos pelo BirdCast, outro projeto do Laboratório de Ornitologia da Cornell que prevê padrões migratórios para proteger pássaros enquanto se locomovem pelo fogo cruzado das ameaças. “Nós podemos prever eventos migratórios que seriam úteis para decidir a hora em que as instalações de energia eólica sejam desligadas à noite”, afirmou Fitzpatrick.
Na Califórnia, biólogos usam dados da migração para acompanhar aves aquáticas em momentos críticos. Quando os pássaros se dirigem para o Vale Central, por exemplo, eles podem pedir aos rizicultores para inundar os arrozais e criar um habitat molhado improvisado. Os dados do eBird também são utilizados no Reino Unido, em conjunto com os do programa similar BirdTrack, que usa imagens de radar, modelos climáticos e até mesmo dados de microfones no topo de prédios para gravar os sons de pássaros migrando à noite.
Para os observadores de pássaros, o eBird conferiu ao seu passatempo um novo propósito. “É uma ferramenta muito bacana”, disse Martinka. “Se você vir um pássaro ou mil deles, é importante.” (Fonte: UOL)
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