...A volta ao cotidiano da delegacia parecia que lhe tinha feito muito bem.  Costumava-se dizer que, “quando Deus quer até o Diabo ajuda”. Estava muito eufórico, a recuperação era visível. E a primeira ocorrência policial daquele dia era um encontro de cadáveres, nus, num motel da região.
		
Dr. Brito e sua equipe foram para o local;  após as primeiras providências tomadas, como levantamento de local, colheita de impressões digitais para identificação dos mortos, um rápido exame nos corpos para constatar agressões a tiros ou arma branca (faca etc),  e,  como não apresentavam lesões  aparentes,  estes foram removidos para o IML, para o exame necroscópico e conclusão das “causas mortis”. Naquela época um laudo levava aproximadamente 90 a 120 dias para ser concluído...
		
Como não podiam esperar tanto tempo, Dr. Brito determinou que sua equipe levantasse possíveis testemunhas dos fatos; como não havia testemunhas presenciais da morte, deveriam ser localizadas outras pessoas que soubessem dos fatos antes dos mesmos acontecerem; por exemplo como as vítimas chegaram ao motel,  vez que não estavam de carro; atendentes ou garçons e demais pessoas que trabalharam naquela noite fatídica,  deveriam ser intimados com urgência.
		
O táxi que os trouxe ao motel foi localizado, e aí começa nossa história.
		
O titular do táxi alugava o veículo no período noturno para um colega fazer “bicos”; ocorre que essa pessoa era deficiente de uma perna, e utilizava um pedaço de bambu para apertar o pedal da embreagem, quando necessário na condução do veículo e o fazia com uma das mãos, na ausência do pé.
		
Olha o risco dessa direção! Mas era assim que funcionava até aquele dia, quando fora intimado para vir à DP, testemunhar sobre os fatos investigados.
		
Diante dessa situação, o motorista deficiente se apavorou, o mesmo acontecendo com o proprietário do veículo. Como justificar essa situação? Ele, o deficiente, só poderia dirigir veículo especial, e esse carro não era especial.
		
O motorista deficiente e o titular bolaram um plano: apresentariam outro motorista e o deficiente iria como uma espécie de “cobrador do táxi”.  Não iria dar certo...
		
Na hora marcada ali apareceu o motorista deficiente como cobrador de táxi e o outro suposto motorista.
		
Dr. Brito convalescendo de seus males, encontrava-se mais compreensivo, sem exigir muito, e logo percebeu a armação. 
		- O senhor é o motorista e o senhor é o cobrador de motorista? Vocês não esperam que eu acredite nessa farsa.
		- Como o senhor dirige o táxi sendo deficiente? Perguntou o delegado ao verdadeiro condutor.
		- Doutor eu uso esse pedaço de bambu, exibindo-o, como se fosse uma bengala, quando preciso acionar o pedal e mudar a marcha.
		- O senhor levou o casal ao motel, dirigindo por estradas de grande movimento; o senhor não temia envolver-se em acidente?
		- Claro doutor, mas eu dirijo com cuidado.
		- Fale sobre o casal.
		- Eles tomaram o táxi no centro da cidade e vieram até aqui no motel, onde os deixei por volta das 20 horas de ontem; o homem trazia uma sacola consigo; eles tinham intenção de ficar todo o fim de semana juntos; em certo momento falaram em cozinhar uma feijoada; não os conheço; é a primeira vez que eu os vejo por aqui. 
		
Obrigado. – Me chama as tiras.
		
Com a presença dos tiras em sua sala, enquanto o taxista e seu companheiro saíam, sem antes tomar uma carraspana pela tentativa de armação, doutor Brito indagou dos tiras se alguém viu a tal feijoada no quarto.
		
Como ninguém viu, resolveram ouvir os funcionários do motel que já tinham chegado.
		- A senhora faz o que no motel? Viu alguma coisa como feijoada no quarto dos mortos.
		- Eu sou arrumadeira. Vi sim, uma panelinha com feijão preto, alguns ingredientes e uma pequena espiriteira.
		- Onde estão esses objetos?
		- A espiriteira está lá no motel, já o feijão preto comemos no almoço.
		- Não é possível !!!  A senhora  simplesmente comeu a prova material do crime,  o denominado “corpo de delito do processo”, ou seja a senhora comeu “os elementos sensíveis do fato delituoso”. Mas, como a senhora está viva provavelmente a feijoada não estava envenenada... Na verdade a feijoada deveria ser apreendida e remetida para exame toxicológico. 
		- Não doutor, só comemos a feijoada e os ingredientes, não tinha disso que o senhor está falando.
		-  Entendi. Foi a senhora que encontrou os corpos?
		- Foi.
		- E como estava o quarto?
		- Estava tudo fechado, fez muito frio a noite passada, e eles fecharam tudo.
		- E o que a senhora fez?
		- Eu escancarei as portas e janelas para entrar ar.
		- Percebeu se cheirava gás ou tinha algum outro cheiro ?
		- Não percebi nada doutor. Chamei pelos dois, sacudi, como não acordavam, abri tudo e chamei o segurança que acionou a polícia.
		- É o fim do mundo, provavelmente o casal faleceu ao inalar o gás do cozimento do feijão, mas isso só vamos ter certeza quando o laudo toxicológico ficar pronto. 
- É muito por hoje, como primeiro caso já me esgotei totalmente...
Wagner Sampaio é Advogado	
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